Enquanto todos focam na Steam Machine, a verdadeira revolução pode estar no headset de realidade virtual
A Valve surpreendeu o mercado recentemente com o anúncio da Steam Machine, seu novo console compacto para sala de estar. Porém, enquanto a atenção da mídia e dos gamers se voltou massivamente para o hardware que promete competir com PlayStation e Xbox, um segundo anúncio passou quase despercebido, mas pode ser muito mais revolucionário para o futuro dos videogames.
Estamos falando do Steam Frame, o novo headset de realidade virtual da empresa. À primeira vista, parece apenas mais um óculos VR em um mercado já saturado de dispositivos similares. Mas há algo extraordinário acontecendo nos bastidores que pode transformar completamente o cenário do gaming nos próximos anos.

O Steam Frame não é um headset comum. Com apenas 440g no total (sendo apenas 185g da parte eletrônica frontal), ele é consideravelmente mais leve que concorrentes como o Apple Vision Pro, que pesa entre 750g e 800g. Equipado com lentes pancake de última geração, resolução de 2060×2060 por olho e taxa de atualização variando de 72Hz até 144Hz (modo experimental), as especificações técnicas por si só já impressionam.
O dispositivo conta com rastreamento quase 360 graus, alto-falantes integrados e a tecnologia de renderização foveada, sistema que usa câmeras internas para rastrear o movimento dos olhos e renderizar em alta qualidade apenas onde o usuário está olhando, economizando recursos computacionais. Mas a verdadeira inovação está no que vem dentro dele.
A peça do quebra-cabeça que quase ninguém percebeu

O Steam Frame vem equipado com um processador Snapdragon 8 Gen 3 de 4nm, 16GB de RAM e opções de armazenamento de 256GB ou 1TB, além de slot para cartão microSD. Isso significa que ele não depende exclusivamente de estar conectado a um PC para funcionar, pode rodar jogos de forma independente.
“Mas espera aí,” você pode estar pensando, “processadores de smartphone não rodam jogos de PC.” E é exatamente aqui que mora a revolução silenciosa da Valve.
A camada de tradução que muda tudo
A Valve já provou sua capacidade de quebrar barreiras tecnológicas com o Proton, a camada de tradução que permite jogos desenvolvidos para Windows rodarem perfeitamente no Linux, tecnologia que possibilitou o sucesso do Steam Deck. Atualmente, cerca de 90% dos jogos da Steam para Windows rodam sem problemas no Linux graças ao Proton.

Agora, a empresa está trabalhando em algo ainda mais ambicioso: uma colaboração com o projeto FEX-Emu, que funciona em conjunto com o Proton para traduzir jogos feitos para arquitetura x86 (processadores de PC tradicionais) para arquitetura ARM (processadores de smartphones e tablets).
Isso pode muda alguma coisa?
Sim, tudo porque processadores x86 (Intel, AMD) e ARM (Qualcomm, Apple, MediaTek) funcionam em “linguagens” completamente diferentes. Historicamente, jogos desenvolvidos para PC simplesmente não rodavam em dispositivos móveis sem serem completamente reescritos. O que a Valve está fazendo é criar uma ponte universal.
Se essa tecnologia funcionar conforme o esperado e a Valve conseguir fazer rodar jogos de dispositivos x86 em dispositivos ARM, significa que:
- Sua biblioteca inteira da Steam poderá rodar no seu smartphone
- Não será necessário streaming via nuvem, tudo rodará localmente
- Desenvolvedores não precisarão fazer versões separadas para cada plataforma
- A mesma biblioteca de jogos funcionará em PC, Steam Deck, Steam Machine, Steam Frame e potencialmente em celulares Android
Quatro formas de jogar em um único dispositivo
O Steam Frame oferecerá quatro modos distintos de jogo:
- VR conectado ao PC: Jogos de realidade virtual completos usando o poder de processamento do computador
- Modo flat conectado ao PC: Jogos tradicionais projetados em uma tela gigante virtual à sua frente
- VR standalone: Jogos VR rodando diretamente no processador Snapdragon do headset
- Modo flat standalone: Jogos convencionais rodando de forma independente no headset
E tudo isso funcionando com transmissão sem fio de baixíssima latência através do adaptador proprietário da Valve, que elimina os problemas de lag e interferência comuns em soluções que dependem da rede Wi-Fi doméstica.
A estratégia de longo prazo da Valve

Como empresa de capital fechado, a Valve tem uma vantagem crucial sobre gigantes de capital aberto como Microsoft: não precisa apresentar crescimento trimestral constante aos acionistas. Isso permite investimentos de longo prazo em tecnologias que podem levar anos para amadurecer.
A primeira tentativa de Steam Machine foi em 2013 e fracassou. Mas a Valve aprendeu com os erros, desenvolveu o SteamOS, criou o Steam Deck como prova de conceito, construiu uma base de usuários leais e agora está expandindo para múltiplas frentes simultaneamente.
Enquanto a Microsoft investe bilhões em infraestrutura de nuvem para o Game Pass e streaming remoto, a Valve está construindo um ecossistema onde tudo roda localmente. Nada de servidores caros, nada de dependência de conexão de internet, nada de input lag do streaming.
Possibilidades Além do Gaming
Se jogos x86 rodarem em ARM através dessa camada de tradução, as implicações vão além de smartphones Android. Computadores Mac com chips Apple Silicon (também ARM) poderiam finalmente ter acesso à biblioteca completa da Steam sem necessidade de emulação pesada ou ports individuais.
A base instalada de Macs ainda é pequena comparada ao mercado mobile, mas representa consumidores com alto poder aquisitivo que frequentemente evitam a plataforma justamente pela limitação em jogos.
Transmissão Foveada

Um dos maiores desafios de VR sem fio é a largura de banda necessária para transmitir duas imagens de alta resolução simultaneamente (uma para cada olho) com latência imperceptível. A Valve resolveu isso com transmissão foveada.
Enquanto a renderização foveada economiza poder de processamento renderizando apenas o centro da visão em alta qualidade, a transmissão foveada aplica o mesmo conceito à codificação de vídeo. O headset informa constantemente ao PC onde o usuário está olhando, e apenas essa região é transmitida com bitrate máximo, enquanto a periferia usa compressão mais agressiva.
Testes preliminares com jornalistas especializados mostraram que mesmo tentando intencionalmente mover os olhos rapidamente para “enganar” o sistema, a transição é imperceptível. A Digital Foundry conseguiu até jogar jogos exigentes como Resident Evil com qualidade visual indistinguível de uma conexão cabeada.
Por que isso importa mais que a Steam Machine
A Steam Machine é um produto incremental, um PC compacto rodando SteamOS para a sala de estar. É útil, mas não revolucionário.
O Steam Frame, por outro lado, representa a convergência de múltiplas tecnologias que a Valve vem desenvolvendo há anos:
- SteamOS e compatibilidade Linux (Proton)
- Hardware customizado e otimizado
- Tradução entre arquiteturas diferentes (FEX-Emu)
- VR de próxima geração com foveated rendering e transmission
Juntas, essas tecnologias abrem a porta para algo que parecia impossível há poucos anos: sua biblioteca completa de jogos PC rodando nativamente em qualquer dispositivo, independente da arquitetura do processador.
O que pode acontecer daqui para frente?

Se tudo correr conforme o planejado, em alguns anos poderemos comprar um jogo na Steam e jogá-lo:
- No PC de mesa com RTX 5090
- No Steam Deck durante uma viagem
- No Steam Machine conectado à TV da sala
- No Steam Frame tanto em VR quanto em modo flat
- No smartphone Android no trajeto do metrô
- Potencialmente no MacBook com chip Apple Silicon
Tudo com a mesma conta, mesma biblioteca, mesmo save sincronizado na nuvem. Tudo rodando localmente, sem depender de streaming. Tudo com apenas um desenvolvimento inicial para Windows/x86.
Enquanto o mercado debate especificações da Steam Machine e compara com PS5 e Xbox Series X, a Valve está silenciosamente construindo a infraestrutura para dominar o gaming multiplataforma da próxima década.
Não através de streaming na nuvem como a Microsoft aposta. Não através de consoles exclusivos como a Sony defende. Mas através de tecnologia de tradução que torna as barreiras de hardware irrelevantes.
O Steam Frame pode ser lembrado no futuro não como mais um headset VR, mas como o dispositivo que provou que a visão da Valve era viável, e que mudou para sempre a forma como jogamos.
